terça-feira, 25 de agosto de 2015

O banheiro masculino

     Era época de natal, o patrão decide tirar uma foto de todos os funcionários para a confraternização de fim de ano no finalzinho do dia de trabalho. Ou seja, pra quem tem cabelo cacheado e grande e não estava no seu melhor dia, era o fim, precisava molhar o cabelo de qualquer forma, senão não caberiam pessoas na foto, apenas o cabelo apareceria (sem muito exagero).
       Após ir umas cinco vezes no único banheiro feminino do local e ele estar ocupado, toma uma decisão desesperada de ir no banheiro masculino, que estava desocupado. Entra, tranca a porta, aquelas de mola que se fecham sozinhas. Arruma o cabelo na medida do possível. Estava pronta pra ir tirar o retrato. Mas a porta não abre. 

      Tenta de todas as maneiras abrir a porta, procura objetos que possam ajuda-la, mas não encontra nada. A essa altura o cabelo que arrumara já estava um verdadeiro caos. Suava frio. Decidiu chamar por socorro.
           Sua sorte é que a janela do banheiro dava para um jardim de inverno que encontrava com a janela da sala de seus patrões. Uma de suas chefes respondeu, a ajudou entregando um tira grampos para ver se auxiliava em algo. Nada serviu. Mal sabia ela que a essa altura, a empresa toda já estava em frente a porta do banheiro se perguntando o que ela foi fazer ali e como ficou presa, visto que muitas pessoas entram e saem do banheiro o dia todo e nunca ficaram nessa situação. Aí é que dá vontade de interferir no tempo e gritar: A ZICA! Mas pra quem não tava acostumada...
  Enquanto isso, tentava abrir a porta desesperadamente. Faltava ar. Não conseguia pensar. Só queria sair dali.Até que um amigo que trabalhava de office boy na empresa chega e se depara com aquela multidão lá fora. Ri e decide ajudar. Conversa e lhe dá instruções de como destravar a porta:
        - Você empurra a porta e gira a maçaneta.
        Simples, não? Como não havia pensado nisso? Era só empurrar a porta!

     Aliviada, com os cabelos muito parecidos com da Elba Ramalho em sua época de glória (mais uma vez não é exagero), abre a porta, que surpreendentemente foi arquitetada para fechar sozinha (malditas molas), vê a empresa toda rindo de seu feito e como em uma serie de tevê recebe uma portada na cara, como um grand finale. E tira a foto da empresa de cabelo preso (como não havia pensado isso antes?).

sábado, 22 de agosto de 2015

As dores da vida

Hoje acidentalmente, fuçando a toa na internet, encontrei um vídeo de um garoto de 14 anos que tem Epidermólise Bolhosa (EB), uma doença que causa bolhas na pele e, infelizmente não tem cura. Esse menino é obrigado a conviver com a dor diariamente, até o último dia sua curta vida. (Quem tiver interesse: https://www.youtube.com/watch?v=CrImKKuOA18).
Mas você deve estar se perguntando: "Por que ela está contando isso?". O fato é que depois de ver esse vídeo eu comecei a pensar sobre dor.
A grande maioria de nós já sentiu dor. Alguns sentem com mais intensidade, outros com menos, mas ainda sim a dor é nossa companheira de vida, assim como o prazer. Porém, ao contrario do prazer, temos a cultura de caracterizar a dor como algo ruim. Isso é tão arraigado que se procurarmos no dicionário, o significado da palavra “dor” está ligado a uma “sensação desagradável ou penosa”. Mas será que é mesmo? Até que ponto ela ruim e até que ponto é uma coisa boa? Será que o bom da dor é quando ela acaba? É o alívio de não senti-la mais? Bem, eu realmente não sei.
Nessa linha de raciocínio, recordei das pessoas que possuem insensibilidade congênita à dor, ou analgesia congênita, ou seja, elas não sentem dor. Talvez essas pessoas sintam falta da dor. Afinal, ela é evolutivamente importante para que possamos nos manter vivos. Sem dor, não sabemos se há algo errado, como um pé quebrado ou uma queimadura, por exemplo. Daí corre-se muitos mais riscos que outras pessoas, que possuem esse alerta natural. 

Não sentir dor é apavorante, a meu ver. Porque, sem dúvida, sentir dor nos faz sentir mais vivos. Talvez por saber que a vida tem um limite, que quando ultrapassamos, surge um alarme (a dor) e diz: “Pare, ou você vai morrer”. Assim, a dor é naturalmente boa a nossa vida. Ao passo que sentir dor a todo momento é desesperador. É como se estivéssemos morrendo a todo tempo. Pera ai, mas não estamos??
O ideal mesmo é o equilíbrio. A dor tem sua função. Utilizemos ela para tal.  Ela pode até ser divertida em alguns casos... Quando o equilíbrio não é possível, penso que a única coisa que pode ser feita é se entregar a ela. A dor também é uma sensação. Ela tem que ser sentida. A vida é isso... um conjunto de coisas que têm que ser aproveitadas, inclusive as coisas que não classificamos como boas, mas sabemos que são, em algum sentido, como a dor.
E quando a dor não é física, geralmente as pessoas tornam ela física. Como um mecanismo de busca de controle. Mas penso que quando ela não é física, talvez estamos confundindo a dor com outro sentimento, não sei qual, mas penso que toda dor é física. Até porque, por incrível que pareça eu não acredito em uma mente separada do cérebro. Talvez acredite em uma alma... mas isso faz parte de outro assunto...
Enfim, para mim a dor, só é dor quando ela é física. Considero os pensamentos como sendo algo físico, assim como nossa memória e todas essas coisas que as pessoas chamam de mente. Então é possível reviver dores. Senti-las mais de uma vez, em momentos diferentes. Mas a maioria de nós, felizmente, temos o controle da dor. Principalmente dessa, que é revivida.
O grande problema nisso tudo é que a maioria das pessoas se perdem nesse recordar. Vivem em função das dores passadas. Talvez, seria mais interessante não ter esse recurso. Mas se não o tivéssemos, não poderíamos relembrar outras coisas mais prazerosas. E isso seria uma perda. Não diria que precisamos deixar de viver o passado, porque as lembranças também tem sua função. Bem sabe uma família que possui um membro com Alzheimer...
A questão é resolvermos as coisas do passado que nos traz dor no presente e nos impede de viver um futuro. Como? Não sei. Acho que temos que aprender juntos... cada dor é diferente uma da outra.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O caso da Laranja – baseado em fatos reais

     As vezes o destino prega umas peças na nossa vida, coisas tão sem nexo, que somente depois de alguns anos a gente vai perceber o quão importante foram esses eventos. Essa história é uma dessas peças, um tanto quanto bizarras, mais quais não são?
     Era só uma pessoa pensando na vida após o almoço. Seu amado estava de partida para uma longa viagem. Despediu-se de longe, até porque seu amor era proibido e nem o amado desconfiara desse sentimento. E como consolo e por sentir que naquele dia ensolarado, merecia mais amor, decidiu ir à sorveteria.
     Durante o caminho sonhava com a vida mais feliz ao lado do amado e com as bolas de sorvete em cima de uma casquinha, cheia de guloseimas, gordices e felicidade em forma de comida. Já sentia o prazer em sua boca, como se fosse um toque de libertação.
     No caminho, se deparou com um morador de rua que ficava ali no bairro. Ele levava consigo em uma mão um saco com algumas latinhas de refrigerante e cerveja, provavelmente as venderia em algum lugar. Na outra mão, se deliciava com uma laranja, como se fosse a comida mais saborosa do mundo, como se aquilo o libertasse.

     Seus destinos se cruzaram por alguns segundos. Não se cumprimentaram, não disseram nada um para o outro. Apenas passaram um ao lado do outro.
     De repente, sente uma forte pressão em sua nuca. Quando olha pra trás, avista o morador de rua, rindo, há mais ou menos 1 metro e meio de distância. Olha para o chão e vê a laranja. Ele havia arremessado a laranja contra sua nuca.
    Ele ria. Ela ficou sem reação. O que o motivara a fazer isso? Não sabia se ria junto com ele; se chorava, porque afinal estava doendo muito; se dava parabéns pela capacidade de mira do morador de rua; se lhe perguntava o porquê de tal ação. Sem saber o que fazer, ficou muda. Continuou andando. Agora pensando na dor, na situação e nessas tantas perguntas. “Que coisa bizarra”, pensava. Parecia que essa laranja carregava o peso do mundo.

    Tomou o sorvete, que não foi lá grandes coisas. Na verdade nem sentiu direito o gosto. Foi pra casa, perdida. Mal sabe que aquela laranja foi o destino falando: “Acorda pra vida!”, “Acorda para o mundo ao seu redor”. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Por mais calor humano no mundo!

     Com o passar dos anos o mundo foi se tornando cada vez mais egoísta e individualista. O outro pouco importa: “Somente as coisas que me interessam merecem a minha atenção”, “Se não é comigo, problema dele”, “Não tenho nada a ver com isso”.
    E daí surge uma onda de indiferença, de desprezo, que acredito que seja a principal causa de doenças e transtornos existentes. Mal se presta atenção no outro que nos rodeia, pouco são os contatos com pessoas, seja um abraço, uma conversa pessoalmente, uma visita só pra saber se o outro está bem, pra ir dar um abraço porque estava com saudades (quanto tempo não se faz isso?). Salvo os casos em que se precisa de favores, em que há algum interesse ou raras festas de aniversário (rodeadas por muitos interesses), em que pouco se usufrui da companhia do outro, fica-se mais preocupado em postar a melhor foto em todas as redes sociais, do que se comeu, da ”felicidade” e “união” das pessoas ali reunidas, das roupas utilizadas para a ocasião...
     E isso é muito engraçado. Porque cada vez mais se ignora o outro, mas há uma preocupação cada vez maior do que o outro pensa de você. E você precisa estar com o outro porque estar sozinho é uma demonstração de fracasso. Daí surge uma competição muito absurda sobre quem é mais feliz dentro do seu mundo, e essa competição via redes sociais é absolutamente ridícula, e inclusive na grande maioria das vezes é pautada em mentiras. As pessoas mentem para si próprias todos os dias. Inventaram outro conceito pra felicidade. O conceito do consumo e das futilidades. Há o consumo até da presença do outro, como se tudo virasse mercadoria o tempo todo.
      E eu pergunto: do que adianta? Qual o objetivo em demonstrar aos outros algo que não existe? Do que adianta estar rodeado de pessoas e realmente se sentir sozinho? E quando não se tem nada para oferecer nesse jogo de interesses, o que sobra? Não seria mais prudente viver intensamente os momentos e sentir a diferença que a presença do outro traz, de verdade?
    O ser humano necessita de outro ser humano para sobreviver. O contato, o afeto, a proximidade são primordiais para nossa saúde física e mental. Mas para isso, essas relações realmente precisam existir, ao contrário as pessoas se sentem sozinhas, com a validade vencida ou até inúteis. E a solidão, o desprezo e o isolamento, matam. Pois há uma sensação, na maioria das vezes real, de que sua presença não faz diferença naquele espaço. Pelo contrário, sente o tempo todo que incomoda, que atrapalha.
     Isso porque o ódio e o amor são sentimentos muito próximos, a pessoa só vai senti-los se realmente se importar com você, se você fizer alguma diferença na vida dela. Por isso, nada pior do que ser ignorado por alguém. Por que enquanto a pessoa está brigando com você, pelo menos ela está demonstrando algum tipo de preocupação, está em algum tipo de interação.
     As relações plásticas são  totalmente ineficazes e auxilia nesse processo degradante. Mexa-se. Inicie o movimento. Vá fazer diferença na vida de alguém. Faça a sua vida valer a pena. Vá contar histórias, ouvir histórias, fazer história. Rir de verdade, ser feliz. Preste atenção no outro, no que ele tem pra dizer, por mais que isso te irrite. Valorize o outro. Valorize você. Valorize agora, porque o tempo leva tudo. E o melhor: você não precisa mostrar isso pra ninguém, não é nenhuma competição. Você só precisa viver. 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

240 dias

     Ainda fazia frio, mas o sol era tão intenso que se perguntava: "o frio é só meu?". Foram 240 dias que simplesmente passaram e continuariam passando. 
    Era tudo automático: acordar, comer, estudar, trabalhar, dormir. Sempre igual. Na verdade, as vezes acontecia algo diferente, mas na maioria dos dias a história se repetia. Talvez por sua própria escolha, talvez por seu cansaço e falta de vontade de escolher diferente, afinal "as vezes a vida não é tão legal com a gente e a gente não é obrigado a ser tão legal com ela", dizia.
   Foram dias de extremo sofrimento, um sofrimento que ninguém via, apenas ela, com sua linda capacidade de se recompor facilmente, rindo das situações. 
    Com o tempo, descobriu que rir não mudava o que sentia. Decidiu fugir, encontrou alguns prazeres proibidos, mas era a única coisa que fazia-a sentir viva de novo. Porém, isso a destruía mais, voltava a estaca zero. Na verdade, agora estava no -1. Sentia-se culpada, suja e desmerecedora.
   Então decidiu viajar. Foi a coisa mais importante que fez a si próprio, pois foi obrigada a se conhecer, a sentir tudo mais claro e forte dentro de si. E todos os seus passos confirmavam sua decisão. Foi e fez. Fez de uma maneira tão pura e bonita que não entendia: Por que era tão proibido sentir-se bem? Tinha acabado de se encontrar e ao mesmo tempo, se perdera em um mundo sem volta.


    Era uma mistura de prazer e dor. Não demorou muito, decidiu voltar atrás. Sentia-se culpada de sentir-se feliz. Entrou em paranóia com os seus valores e princípios divinos. Mas algo a puxava e era impossível parar de pensar na vida que outrora tivera.
  Foi uma busca incessante por liberdade. Tentava retratar os mal feitos. O tratamento não estava ajudando tanto... Não importava o que sua razão era treinada a pensar, o sentimento mostrava que o caminho era outro. Estava viciada. Entregou-se. Mergulhou nessa loucura que era tão forte que a fazia esquecer de tudo.
   Um belo dia, sóbria, descobriu que pela primeira vez estava em paz. O errado não era mais tão errado assim. Quem criou essa lei? Mudou-se a lei. Agora ela era a sua própria lei. Agora era feliz. O errado virou certo.
  Iniciou-se assim um novo tempo. Tempo em que sabia exatamente que nada iria magoa-la novamente. Tempo de sentir-se viva. Voltou a ser criança sem saber. Ser feliz era tão fácil e natural. Renascia. Não era mais dependente. Era novamente uma pessoa. Apaixonada pela vida.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O incrível mundo de começos

     Todos os dias se começa algo novo, nem que for o próprio dia. Dia este que está SEMPRE recheado com inúmeras possibilidades, das quais somente uma pessoa pode fazer a escolha de aproveita-las ou não: VOCÊ!
     Bem-vindo ao incrível mundo dos começos, onde nada acaba, mas sim se transforma em possibilidades de algo novo. E esse mundo não é tão novo assim, sempre existiu, porém o ser humano tende a vê-lo do lado oposto, como sendo o mundo dos fins.
     Neste mundo tudo acaba, e é tão doloroso quando acaba...
     As pessoas vivem pelo fim. O fim de semana, o fim do mês, o fim do ano, o fim da faculdade, o fim das férias, o fim de um relacionamento, o fim da vida, o fim... o fim... São tão possessivos pelo fim, que se esquecem de aproveitar o meio. E o começo então? Nem se fala, se vão oportunidades e ninguém vê, pois todos estão sofrendo, preocupados com o fim de alguma coisa.
     O ser humano acostumou a sofrer por antecipação, na verdade acostumou a sofrer. A buscar mais finais do que começos. A apostar no lado negativo das coisas.E por saber que o fim é muitas vezes doloroso demais, algumas pessoas acreditam que é melhor que as coisas não acabem. Então por mais que a situação esteja extremamente desconfortável e insustentável, esses indivíduos vivem em adiar ao máximo o final das coisas... E isso se chama COMODISMO.
     E por incrível que pareça esse tal comodismo não existe apenas devido à dificuldade em lidar com términos, mas principalmente pela dificuldade em lidar com começos. Afinal, tudo que é novo nos tira de nossa zona de conforto, daquilo que estamos acostumados a ter, a fazer... E isso é tão ruim quanto o final das coisas, porque temos a necessidade de nos sentirmos seguros e o novo ameaça essa segurança. Queremos garantir que o que temos hoje não nos seja tomado, porque por mais que tal coisa seja ruim, pelo menos me pertence. 
     Mas de que adianta ter algo simplesmente por ter? De que adianta lutar contra o tempo e o fim das coisas se a própria vida é um ciclo composto por inicio, meio e fim? De que adianta viver pelo fim e não aproveitar o meio? De que adianta?
     Acredito fielmente no poder dos começos. É graças a esse poder que as melhores coisas do mundo foram inventadas. Como saborear um delicioso pedaço de bolo, por exemplo. Seria prudente sofrer porque o pobre pedaço é tão pequeno que acabará logo? Será sensato comê-lo pensando em seu final de forma que não se consiga sentir seu gosto? Será interessante não comê-lo ou comer bem pouco porque assim, ele durará mais e você o terá mais tempo consigo? Ou vale a pena aproveitá-lo a cada garfada, sentindo cada ingrediente, de forma que você possa chegar ao final e dizer: compensou cada mordida! Que tal perguntar como se faz? Será que posso fazer outro tão mais saboroso que este?
     Desafie a si próprio. Seja curioso a sua medida. Arrisque-se. Não tenha medo de errar. Evite se acomodar com o ruim, o medíocre. Queira sempre mais pra você, porque você pode! Faça planos sim, mas não os engesse. Um bom empreendedor lida com imprevistos e mudanças em seu projeto. Não perca oportunidades, algumas surgem apenas uma vez na vida.
     Não espere pelo início do ano, como muita gente faz. Comece agora! Valorize o hoje, aproveite o meio. Saboreie o começo das coisas. Somente assim, o fim, não será tão amargo, porque na verdade ele nada mais será do que um novo começo. E esse começo é todo seu. Único e exclusivo. Capaz de mudar sua vida.
      Viva o poder dos começos!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

As coisas que ficam pelo caminho

     Tudo era tão natural: o frio, a neblina, o acordar cedo, as luvas roxas, almoços de domingo, jogos de dominós, os granizos que insistiam em cair do céu frequentemente... ahhhh e o bom e velho chocolate em tubos e o sanduíche que ganhava todos as noites quando seu pai chegava do trabalho!
     Gostava sim, de andar quase 30 minutos para chegar na casa da avó depois de ter pego um ônibus lotado em frente ao supermercado há quase 1 hora atrás. Era assim, domingo pela manhã, fazia chuva, sol, o que fosse, era assim. No caminho sempre comia salgadinhos e um sorvete de máquina de uma padaria. Passava por fábricas, e sempre muito curiosa sobre o que acontecia lá dentro, perguntava a sua mãe, criando universos paralelos, animações em sua mente. Ao chegar, casa cheia, primos e primas, tios e tias, irmãos, juntos! Cada um rindo e falando mais alto que o outro! Casa rosa, portas e janelas verdes, cheiro de frango, quiabo e jiló! Coca Diet, quadros pintados, mesa com plástico em cima da toalha, sabonete cheirosos para lavar a mão, e histórias que o avô contava e conseguia com elas um silencio incrível de todos para ouvi-lo, enquanto sua avó apesar de cega terminava de fazer o almoço que preparara sozinha, o melhor almoço do mundo!
     Não era a melhor aluna da classe, mas sentava na frente, tinha uma coleção de livros da Disney e dormia contando de 0 a 1000. Todos diziam que ia ser cantora, ou bailarina, mas gostava mesmo era de soltar pipa e brincar de carrinho de rolimã. Quando andava de bicicleta esquecia-se do mundo, viajava, e isso era um perigo: quase morreu atropelada pelo caminhão do gás na porta de casa! Odiava bonecas e tudo que era rosa, gostava mesmo era de bolinhas de gude e caminhões, carrinhos... na verdade gosta até hoje! Chorava sempre que ouvia sua melhor amiga apanhar porque estava brincando na rua, os pais sempre foram muito rigorosos por causa de sua religião (Sempre quis entender porque pessoas sofrem por coisas que deveriam ser para a sua felicidade). Era feliz com pouco, nunca quis o muito, sonhava apenas em conhecer o mundo, buscava isso nos atlas que seu irmão estudava!
     Agora, o frio é outro, continua odiando rosa e ainda não acha interessante bonecas, tem alguns carrinhos e ama futebol. Não tem mais o bom e velho almoço de domingo, geralmente almoça só e descobriu um amor pela culinária. Vive só mesmo com gentes ao redor. O pouco que tem foi fruto de seu trabalho. Sonha com o que tinha antes: a casa cheia, a família unida, a comida boa... Ainda não conseguiu entender porque as pessoas sofrem por coisas que deveriam lhe trazer felicidade. Não anda mais de bicicleta, é tão raro poder sentir essa liberdade. As distancias que percorre são curtas e não muito interessantes. Não é a melhor aluna da classe, nem quer ser, mas vive trancada no quarto em meio a livros e teorias, pensando em grandes práticas que nem sabem se serão executadas. Dorme cansada abraçada em seu ursinho de pelúcia que ganhou na páscoa de 98.  Já foi de tudo um pouco, sonha com pessoas, histórias, lugares... 
      Têm saudades do passado, opiniões fortes, medo do futuro e seu presente é uma caixinha de surpresas todos os dias. Sua única certeza é que as coisas que ficaram pelo caminho são os vestígios do tesouro que sua alma carrega, de valor imensurável, assim como o tempo. 
     Pobre criança perdida no mundo dos adultos! Mal sabe que acaba de nascer. Seu caminho flui como as águas de um rio.