sexta-feira, 31 de julho de 2015

As coisas que ficam pelo caminho

     Tudo era tão natural: o frio, a neblina, o acordar cedo, as luvas roxas, almoços de domingo, jogos de dominós, os granizos que insistiam em cair do céu frequentemente... ahhhh e o bom e velho chocolate em tubos e o sanduíche que ganhava todos as noites quando seu pai chegava do trabalho!
     Gostava sim, de andar quase 30 minutos para chegar na casa da avó depois de ter pego um ônibus lotado em frente ao supermercado há quase 1 hora atrás. Era assim, domingo pela manhã, fazia chuva, sol, o que fosse, era assim. No caminho sempre comia salgadinhos e um sorvete de máquina de uma padaria. Passava por fábricas, e sempre muito curiosa sobre o que acontecia lá dentro, perguntava a sua mãe, criando universos paralelos, animações em sua mente. Ao chegar, casa cheia, primos e primas, tios e tias, irmãos, juntos! Cada um rindo e falando mais alto que o outro! Casa rosa, portas e janelas verdes, cheiro de frango, quiabo e jiló! Coca Diet, quadros pintados, mesa com plástico em cima da toalha, sabonete cheirosos para lavar a mão, e histórias que o avô contava e conseguia com elas um silencio incrível de todos para ouvi-lo, enquanto sua avó apesar de cega terminava de fazer o almoço que preparara sozinha, o melhor almoço do mundo!
     Não era a melhor aluna da classe, mas sentava na frente, tinha uma coleção de livros da Disney e dormia contando de 0 a 1000. Todos diziam que ia ser cantora, ou bailarina, mas gostava mesmo era de soltar pipa e brincar de carrinho de rolimã. Quando andava de bicicleta esquecia-se do mundo, viajava, e isso era um perigo: quase morreu atropelada pelo caminhão do gás na porta de casa! Odiava bonecas e tudo que era rosa, gostava mesmo era de bolinhas de gude e caminhões, carrinhos... na verdade gosta até hoje! Chorava sempre que ouvia sua melhor amiga apanhar porque estava brincando na rua, os pais sempre foram muito rigorosos por causa de sua religião (Sempre quis entender porque pessoas sofrem por coisas que deveriam ser para a sua felicidade). Era feliz com pouco, nunca quis o muito, sonhava apenas em conhecer o mundo, buscava isso nos atlas que seu irmão estudava!
     Agora, o frio é outro, continua odiando rosa e ainda não acha interessante bonecas, tem alguns carrinhos e ama futebol. Não tem mais o bom e velho almoço de domingo, geralmente almoça só e descobriu um amor pela culinária. Vive só mesmo com gentes ao redor. O pouco que tem foi fruto de seu trabalho. Sonha com o que tinha antes: a casa cheia, a família unida, a comida boa... Ainda não conseguiu entender porque as pessoas sofrem por coisas que deveriam lhe trazer felicidade. Não anda mais de bicicleta, é tão raro poder sentir essa liberdade. As distancias que percorre são curtas e não muito interessantes. Não é a melhor aluna da classe, nem quer ser, mas vive trancada no quarto em meio a livros e teorias, pensando em grandes práticas que nem sabem se serão executadas. Dorme cansada abraçada em seu ursinho de pelúcia que ganhou na páscoa de 98.  Já foi de tudo um pouco, sonha com pessoas, histórias, lugares... 
      Têm saudades do passado, opiniões fortes, medo do futuro e seu presente é uma caixinha de surpresas todos os dias. Sua única certeza é que as coisas que ficaram pelo caminho são os vestígios do tesouro que sua alma carrega, de valor imensurável, assim como o tempo. 
     Pobre criança perdida no mundo dos adultos! Mal sabe que acaba de nascer. Seu caminho flui como as águas de um rio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário